segunda-feira, 3 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25596: Humor de caserna (62): Lerpar ou não lerpar, eis a questão (...um delicioso microconto do Alberto Branquinho, autor de "Cambança Final", 2013)

1. Alberto Branquinho (n. 1944, Foz Coa), advogado e escritor, a viver em Lisboa desde 1970,  ex-alf mil, CART 1689 / BART 1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), tem 140 referências no nosso blogue: é autor das notáveis séries "Contraponto" e  "Não venho falar de mim,,, nem do meu umbigo".

 Integra a nossa Tabanca Grande a partir de 30 de maio de 2008; é irmão de outro Branquinho, mais novo, e infelizmente já falecid0, igualmente nosso tabanqueiro, o  António Branquinho (1947-2023) que foi fur mil, no Pel Caç Nat 63, ao tempo do nosso também saudoso Jorge Cabral (ou seja em, 1969/71)

Do livro "Cambança Final", publicado em 2013, pela editora Vírgula, disponível aqui, para compra (c. 13 euros) no Sítio do Livro , tomamos a liberdade de reproduzir este pequeno texto (no original, "A questão em jogo"), que nos remete para uma realidade que fazia parte do nosso quotidiano, o jogo, o vício do jogo, a  compulsão do jogo ("gaming addiction", em inglês), um comportamento que levanta(va) as mais diversas questões, das disciplinares às do foro da saúde mental... 

Em todos os "buracos" da Guiné (no final da guerra havia cerca de 225 guarnições militares!)   se jogava às cartas, do king ao bridge, da sueca à lerpa, qualquer que fosse o posto (do tenente coronel ao soldado básico)... Em muitos casos, jogava-se a dinheiro (ou à cerveja)... E em todas as companhias havia um ou mais viciados das cartas, além de "batoteiros", "vermelhinhas" ou "rufiões" como o "Chico Russo" desta história... 

"Cambança Final" é um título irónico que, em linguagem de caserna, poderia ser traduzido por... "lerpar", morrer. São histórias, muitas delas pícaras, que ajudam a reconstruir o nosso quotidiano de guerra. O Alberto Branquinh0 é mestre nesta arte de dizer muito em poucas palavras. 


Sinopse:

«Cambança Final» foi, para muitos que fizeram a guerra na Guiné, a passagem desta margem de vida para a outra: essa que é definitiva.

«Cambança Final» foi, para a maioria, o regresso, dois anos depois, ao outro lado de onde tinham partido. Regressavam endurecidos, feitos homens em movimento sofrido e acelerado. (Entrementes, muitos iam regressando, mutilados no corpo ou na alma.)

Este livro é composto de pequenas histórias que abordam não só aspectos dramáticos da guerra, mas também situações pícaras ou bizarras e encontros/desencontros de culturas que foram obrigadas a conviver no mesmo espaço geográfico em tempo de guerra. (Fonte: 
Sítio do Livro)

O autor já tinha publicado, em 2009 (na editora Sete Caminhos) um primeiro livro com um título parecido: "Cambança: Guiné, morte e vida em maré baixa" ( 98 pp.)


Lerpaste! Já lerpaste!

por Alberto Branquinho


Jogava-se à lerpa, à sueca e a outros. Clandestinamenet. Normalmente na caserna, em cima das camas.

O capitão tinha proibido todo e qualquer jogo a dinheiro. Mas jogavam. E não só com pesos guineenses, mas também escudos, guardados no fundo das maçlasn e dos sacos de campanha.

Quem fosse apanhado a jogar a dinheior sairiia para o mato todos os diuias, memso com os outro spelotões. E se não hiuvesse saídas, estaria de guarda, mesmo oque não fosse o dia de escala,

Mesmo "jogando a feijões" hvia cenas de pancadaria. A tensão acumulada aos lonmgo dos meses de guerra era nmuito ghrandse, agravada pelo isolamento e pelo álcool.

 Lerpaste! lerpaste!

Aconteciam discussões acaloradas, palavrões, empurrões, murros, bofetadas e, por vezes, de repente, surgiam as navalhas e as facas de mato nas mãos. O risco maior era de quem, acusto, os tentava separar,

Em qualquer canto esconso era improvisada uma mesa.

Ao calor das jogadas ou no meio das discussões sobrepunha-as o vozeirão do "Chico Russo", viciado e quase profissional, sempre em postura insolente e desleixada, que nem a vida militar tinha conseguido corrigir. Não perdia a oportunidade de jogar a dinheiro, que ele próprio incentivava. A insolência e o despeito estavam-lhe sempre presentes, na atitude corporal, na expressão facial e na voz:

- Cum carago! Só me saem duques!

Quando o parceiro não o acompanhava na jogava ou entendia que não o tinha acompanhado como devida, atirava as cartas contra ele, e de dedo em riste, apontado ao "incompetente", saí-lhe a linguagem natural de filho da Ribeira:

- Ó caramelo, bai-te, carago,  bai-te. Não topas nada desta merda! Quem não sabe foder, até os colhões o estróbam!  

Fonte: Adapt. de Alberto Branquinho  - Cambança final: Guiné, guerra colonial:  contos. Vírgula, Lisboa, 2013, pp. 155/156.

(Título, revisão / fixação de texto, para efeitos de publicação deste poste, na série "Humor de caserna": LG. Com a devida vénia ao autor e à editora...)

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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de maio de 2024 > Guiné 61/74 - P25588: Humor de caserna (61): A ver a tropa passar... (Rui A. Ferreira, 1943-2022)Guiné 61/74 - P25588: Humor de caserna (61): A ver a tropa passar... (Rui A. Ferreira, 1943-2022)

domingo, 2 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25595: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (20): "Uma história antiga"

Adão Pinho Cruz
Ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547
Autor do livro "Contos do Ser e Não Ser"



Uma história antiga

Há muitos anos, João andava na faculdade.
Encontrava-se no velho café a estudar umas coisas de embriologia, a estúpida abordagem da embriologia de então, que nada tem a ver com as maravilhosas lições de Richard Dawkins. Estava sentado numa daquelas pequenas mesas quadradas, mesmo junto à porta.
Tinha pedido ao empregado um café e um brandy.

Pouco tempo depois, um velhinho dos seus oitentas a noventas, como não tinha lugar - as mesas estavam cheias de jogadores de damas e dominó - fez um gesto com o qual queria pedir para se sentar na mesa do João, ao qual ele acedeu com um discreto sorriso. O velhinho sentou-se, pôs a bengalita entre as pernas, cruzou as mãos e fitou os olhos lá para o fundo do café, talvez o seu único infinito.

Estava João embrenhado na leitura, com o livro a uns quarenta e cinco graus em relação ao plano da mesa, portanto, com um campo visual relativamente limitado, quando viu a mão do velhote deslizar sorrateiramente pela mesa até o seu cálice de brandy, fazer do dedo indicador uma espécie de gatilho, arrastá-lo suavemente até si e, rapidamente, com notório trémulo, levá-lo à boca e sorver uma boa golada. Com o copo de novo em cima da mesa, iniciou delicadamente o trajeto inverso, fazendo-o deslizar suavemente e manhosamente até debaixo das costas do livro de João. Este procurou não olhar para ele, como é óbvio, pois de modo algum, pretendia denunciar aquilo que o enchera de ternura. A vida tem coisas cuja dimensão de simplicidade, autenticidade e verdade é tão grande, que as transforma em irradiantes e majestáticos fenómenos de coerência.

João deitou o rabo do olho para a cara do ancião e notou que a sua fisionomia mostrava a satisfação de um golpe de mestre.

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Nota do editor

Último post da série de 26 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25563: Contos do ser e não ser: Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887 (19): "O MINITITANIC"

Guiné 61/74 - P25594: Timor-Leste, passado e presente (4): Antes da invasão e ocupação do Japão (19 de fevereiro de 1942): imagens da "Vida Mundial Ilustrada" (Ano I, nº 41, 26 de fevereiro de 1942)

 











Vida Mundial Ilustrada: semanário gráfico de actualidades, Ano I, nº 41, 26 de fevereiro de 1943Vida Mundial Ilustrada: semanário gráfico de actualidades, Ano I, nº 41, 26 de fevereiro de 1943. Página 5, decidad a Timor. terra Portuguesa. Fotos de António Macedo. O NRP Gonçalves Zarco visitou Timor (incluindo o enclave de Oekussi) em 1938. (Vd álbum Fontoura / HS - Arquivo de História Social


Capa da Vida Mundial Ilustrada: semanário gráfico de actualidades, Ano I, nº 41, 26 de fevereiro de 1943Vida Mundial Ilustrada: semanário gráfico de actualidades, Ano I, nº 41, 26 de fevereiro de 1943. (Cortesia de Hemereoteca Municipal de Lisboa...)

Na capa, Salazar "fazendo, no passado [21 de fevereiro de 1942], na Assembleia Nacional, a sua exposição ao país sobre os factos ocorridos em Timor" (leia-se nas entrelinhas:  invasão e ocupação de Timor pelas tropas japonesas na noite de 19 para 20 de dezembro de 1942. Em 17 de dezembro de 1941, os australianos tinham desembarcado na ilha, violando o estatuto de neutralidade de Portugal na II Guerra Mundial).

Ver na RTP Arquivos:

"Reportagem da Emissora Nacional no Palácio de São Bento, acompanhando o discurso do Presidente do Conselho António Oliveira Salazar na Assembleia Nacional, onde informa que a soberania portuguesa em Timor foi violada por tropas australianas e holandesas. Inclui palavras de ordem proferidas pelo público" (19 de deszembro de 1941 > áudio: 36' 09'


A RTP produziu e exibiu recentemente uma série, "Abandonados" (realização de Francisco Manso) sobre a grande coragem e patriotismo dos que, portugueses, timorenses e australianos, resistiram à brutal ocupação nipónica e foram literalmente abandonados pelo governo de Salazar. 

A série inspirou-se no o Timor na II Guerra Mundial: o diário do Tenente Pires, editado pelo ISCTE,  da autoria do historiador António Monteiro Cardoso (entretanto falecido em 2016).

(...) "Portugal tem um novo herói. Chama-se Manuel de Jesus Pires, mas podemos tratá-lo como Tenente Pires. Foi ele o administrador da Vila de Baucau durante a invasão de Timor pelos japoneses, em 1942, e liderou a resistência ao invasor, tendo salvado quase uma centena de vidas numa altura em que o regime do Estado Novo abandonou portugueses à sua sorte. A sua história é agora uma série de ficção da RTP com o título Abandonados." (....)

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Nota dpo editor:

Último poste da série > 24 de maio de 2024 >  Guiné 61/74 - P25556: Timor-Leste, passado e presente (3): cerca de 70% dos nomes próprios e 98% dos apelidos dos timorenses... continuam a serportugueses!

Guiné 61/74 - P25593: Ser solidário (270): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (8): Arquitectos da natureza (Renato Brito)


1. Mensagem datada de 29 de Maio de 2024, de Renato Brito, voluntário, que na Guiné-Bissau integra um projecto de construção de uma escola na aldeia de Sincha Alfa, com mais uma Cartolina, esta que nos fala das térmitas, autênticos arquitectos da natureza:

Bom dia Carlos Vinhal,

Partilho mais uma “cartolina” anunciando mais um “mercatino dell’usato”com o objectivo de recolher fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa na Guiné-Bissau.

Este bilhete-postal fala sobre as térmitas apresentando um interessante documentário sobre a vida destes insectos:
Térmitas – O Santuário interno
https://www.youtube.com/watch?v=DXbo5ubYS9I

Cumprimentos,
Renato Brito

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Nota do editor

Vd. post anterior de 30 de Abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25462: Ser solidário (269): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (7): Em bicicleta atravessar a África Ocidental (Renato Brito)

Guiné 61/74 - P25592: Manuscrito(s) (Luís Graça): A "macacaria", o azulejo polícromo, burlesco e satírico, do séc. XVII










Lisboa > Museu Nacional do Azulejo "Macacaria. Casamento da Galinha" > Olaria. Manuel Francisco (?) . c. 1660/67. Faiança polícroma. Proveniência: Quinta da Cadriceira, Turcifal, Torres Vedras. Doação: Celeste e Vitor Cinatti Batalha Reis. MNAz Inv 400 az

Fotos: Luís Graça (2024).


1. Sou fã do azulejo. Do nosso azulejo. Ainda há dias percorri, extasiado, o Mosteiro de São Vicente de Fora, e nomeadamente os claustros revestidos de azulejos barrocos. Andava há anos para conhecer as 38 fábulas de La Fontaine, contadas em azulejo. Revestiam os claustros, os painéis foram retirados, restaurados e colocados em exposição. 

O azulejo português tem uma história, fascinante,  de cinco séculos. (A palavra vem do árabe.) E nada como visitar o Museu Nacional do Azulejo, instalado no antigo convento da Madre de Deus (séc. XVI). Os antigos combatentes tem acesso gratuito ao Museu. (O seu sítio está em remodelação neste momento; para saber mais sobre o Museu ver a entrada na Wikipedia.)

Ver ou rever, entretanto, na RTP Play, a Visita Guiada - Convento da Madre Deus, Lisboa.

De tempos a tempos passo por lá. Hoje destaco um peça, muito curiosa e rara, de que reproduzo alguns detalalhes acima. É uma painel do séc. XVII (c. 1660/67), que veio de uma quinta da região do Oeste Estremenho, a Quinta da Cadriceira, em Turcifal, Torres Vedras.

Lê-se, com a devida vénia, no sítio da Time Out, em artigo de Helena Galvão Soares (12 de maio de 2019):


(...) "O painel chama-se 'O Casamento da Galinha' e é uma 'singerie' (macacaria), um estilo em que os protagonistas são macacos (sim, daí o nome) em trajos e actividades humanas, com intenção geralmente satírica.

"Embora estas figuras já apareçam como apontamentos nas iluminuras medievais, o estilo surge em força na pintura flamenga do século XVI e XVII e espalha-se pela Europa nos séculos seguintes em frescos, mobiliário, cerâmica, serviços de louça... Em Portugal, como não podia deixar de ser, surge em azulejo.

"A nobreza que acabara de sair vitoriosa da Guerra da Restauração (1640-1668) investiu na construção de novas quintas de recreio e encomendava painéis de azulejo para o revestimento de casas e jardins. Foi em duas dessas quintas que surgiram os painéis de macacarias que chegaram até hoje." (...)


Esta nova nobreza (que apostou no cavalo certo, a causa da Casa de Bragança) tem o gosto do exótico~, do excêntrico e do burlesco: veja-se, além dos macacos, a representação de outros animais como o elefante  mas também o leão (ou o o leopardo, noutro painel ao lado).

Por outro lado, sabe-se que o macaco está sempre associado à crítica satírica mas é também um símbolo de liberdade: uma leitura possível deste painel é a sátira à antiga nobreza que se aliou ao poder filipino (vivendo inclusive em Madrid, de costas voltadas para a sua Pátria) e que  representava, portanto, o partido dos vencidos, com a restauração do reino... (As campanhas da Guerra da Restauração foram bem mais longas que a guerra colonial: 1640-1668).

A outra quinta, com painéis de "macacarias" (mas estas "in su situ" ) é a do Palácio de Fronteira, em São Domingos de Benfica, que merece uma visita demorada (estive também lá há dias nos jardins). 
Vd.  em RTP Play a Visita Guiada aos Jardins do Palácio Fronteira, em Lisboa| Ep. 222 set. 2014 |

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sábado, 1 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25591: Os nossos seres, saberes e lazeres (631): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (156): Em Tavira, para visitar Balsa, cidade romana, que existiu há cerca de 2000 anos (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Fevereiro de 2024:

Queridos amigos,
Há sempre boas razões do coração e da emoção para retornar a Tavira. Desta feita a fisgada envolveu uma exposição sobre Balsa, cidade romana sediada ali para os lados da Luz de Tavira, que permaneceu praticamente ignorada até aos trabalhos arqueológicos do tavirense Estácio da Veiga; e também ver se se resolvia uma velha questão pendente na minha curiosidade, e que passa pelo entrosamento (que, na generalidade, me parece bem-sucedido e certamente merecedor dos responsáveis culturais da região) entre as velhas muralhas e o seu adossamento de casario, jardins e vias. Por ali andei a calcorrear caminhos e virei a seguir fazer o meu relatório, a velha questão pendente parece-me satisfeita e aguça o apetite para voltar a Tavira.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (79):
Em Tavira, para visitar Balsa, cidade romana, que existiu há cerca de 2000 anos


Mário Beja Santos


Viajo sempre com entusiasmo até Tavira, há sempre bons pretextos (afetivos, lúdicos, instrutivos) para aqui regressar. Há a História, abarcando presenças fenícia, romana e muçulmana, Tavira, nos alvores da Idade Moderna foi o principal porto comercial do Algarve, está polvilhada de igrejas, conventos, ermidas e capelas, são inesgotáveis as coisas para ver no meio urbano, na Ria Formosa, no barrocal e na serra, onde se desfrutam paisagens onde avultam alfarrobeiras, amendoeiras, medronheiros ou citrinos. Um pouco de tudo aqui já se referiu, além e aquém da ponte que atravessa o Gilão, hoje fomos atraídos por uma exposição e pela vontade de reter um outro olhar sobre a cidade embebida nas velhas moradas. A exposição é dedicada a Balsa, que existiu há cerca de 2000 anos, perto da Luz de Tavira. Manda a sinceridade que se diga que é uma bela exposição, prima pelos aspetos didático-pedagógicos, possui um bem pensado percurso expositivo um bom aproveitamento de peças que vieram de vários museus, é uma bem-sucedida retentiva das investigações ali feitas desde o século XIX, exibem-se sinais do seu esplendor, houve seguramente uma pujante economia marítima, e os seus sinais se alistam expostos em recipientes, como é dado ao visitante ver materiais relacionados com a saúde e a beleza, as práticas religiosas e funerárias, e tudo culmina numa apresentação de um projeto de investigação científica que subjaz a tão surpreendente mostra. Vale a pena visitar Tavira só para apreciar as principais peças arqueológicas recolhidas na cidade romana de Balsa. O que vem a seguir, como se disse, é um passeio à volta do centro histórico, algo maravilha o visitante que é o diálogo entre uma estrutura defensiva que se ergueu ao longo dos séculos com a habitação contemporânea, e que tanto dá encanto a esta maravilhosa Tavira.
Capitel coríntio de folhas lisas, século III-IV, Museu Municipal de Tavira
Balsa, a cidade romana esquecida até ao século XIX
Vestígio da imponência de Balsa, aqui vemos o seu nome
Referência da menção de André de Resende a Balsa
Texto do arqueólogo Estácio da Veiga sobre a descoberta numa quinta da Luz de Tavira de vestígios de Balsa
Objetos em cerâmica provenientes de Balsa
Retrato do arqueólogo Estácio da Veiga pelo pintor Reys Santos
Balsa na Turdetânia
Porquê esta imagem? Simplesmente para exaltar que às vezes mesmo com recursos modestos se organiza museograficamente uma exposição com grande relevância didático-pedagógica
Fragmentos de mosaicos romanos
Uma bela exposição de objetos da vida quotidiana
A exposição sobre Balsa não esqueceu a medicina, a religião e os ritos funerários, bem como a alimentação (do tipo da chamada dieta mediterrânea), o luxo, o quotidiano
Para despedida, esta belíssima reflexão de Petrónio, no clássico Satyricon

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 25 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25560: Os nossos seres, saberes e lazeres (630): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (155): Em dia de muita chuva, a vagabundear pelas imagens que aguardam apeadeiro (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 31 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25590: (In)citações (266): Vamos identificar as Unidades com as Divisas, lemas e designações mais curiosas e divertidas (Augusto Silva Santos, ex-Fur Mil Inf)

1. Mensagem de Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có, Jolmete e Bissau 1971/73), com data de 29 de Maio de 2024, com  desafio de identificar unidades conhecidas pelas suas mais estranhas denominações:

Olá Carlos, boa tarde!

Para colmatar de alguma forma a minha longa ausência destas "lides", umas vezes por manifesta preguiça e outras por questões de saúde, aqui vai um pequeno ou pseudo desafio, isto porque não me lembro de alguma vez ter visto referências ao que passo a descrever, mas também é muito provável que já tenha acontecido sem eu ter dado por tal facto, pelo desde já peço desculpa.

Então é assim...

Depois da minha "estadia" em Jolmente / CCaç 3306, onde fui colocado em rendição individual e, após o regresso daquela à metrópole finda a sua comissão, fui colocado no Depósito de Adidos em Brá, no qual fiquei quase todo o ano de 1973 (por certo e por sorte por ali fiquei esquecido).

Durante esse período estabeleci contactos com muitos camaradas, uns que já havia conhecido na EPC / Santarém e no CISMI / Tavira, mas também tive o prazer de conhecer muitos outros que por aquela unidade iam passando, alguns infelizmente com sortes bem diferentes.

Assisti à chegada de muitas Companhias "piras", e também à partida de muitas outras com as suas comissões cumpridas (era praticamente o dia a dia do Depósito de Adidos), mas curiosamente três delas sempre me ficaram na mente, pelos slogans ou denominações pelas quais eram conhecidas/identificadas, agora vindas à memória passado meio século.

Será que alguém ainda se lembra/consegue identificar estas unidades e onde estiveram aquarteladas?

A saber:
- "FERRA O BICO"
- "DEIXA-OS POISAR"
- "COMPANHIA TOYOTA"

De notar que, relativamente a esta última, não era de facto a sua correcta denominação, mas viria a ficar assim conhecida pelo facto de já ter passado bastante tempo sobre o terminus da sua comissão, sem que houvesse ordem para o seu regresso. Esta identificação tinha assim a ver com o slogan utilizado pela Toyota aquando do início da sua comercialização em Portugal, e que dizia que "tinha vindo para ficar". Era o caso daquela Companhia.

Por certo haverá muitas outras igualmente conhecidas por formas curiosas/divertidas.

Forte abraço e saúde para todos!
Augusto Silva Santos


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2. Nota do editor CV :

Caro Augusto Silva Santos

(a) - Quanto aos "Ferra o Bico", apenas encontrei uma Companhia de Moçambique, a CCAÇ 4542/72, com esta designação. Não sei se houve alguma na Guiné porque não encontro nenhum registo. Se te vieres a lembrar, informa-nos.


(b) - Os "Deixós Poisar" são a CCAÇ 3549 / BCAÇ 3884, que fizeram a sua comissão em Fajonquito entre 1972/74.

(c) - Por sua vez, a CCAÇ 3520, cuja Divisa era "Os Homeopáticos de Cacine", como bem disseste, por estarem demasiado tempo na Guiné, exactamente 27 meses, eles próprios se apelidaram de "Companhia Toyota". Também adoptaram a designação de "Estrelas do Sul"

(d) - Já agora a propósito, a minha CART 2732, que cumpriu a sua comissão de serviço em Mansabá, tinha como Divisa "Nam Acha Quem Por Armas Lhe Resista", na Guiné o nosso lema era "Venceremos nem que seja a pontapé"

Era engraçado fazer no Blog um registo, não só das divisas mas também dos lemas adoptados em campanha pelos Batalhões e Companhias.

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Nota do editor

Último post da série de 28 DE FEVEREIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25225: (In)citações (265): A Guerra. Nos últimos tempos as notícias tendem a ser brutais e deprimentes (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

Guiné 61/74 - P25589: Notas de leitura (1696): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1855 a 1856) (s) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Março de 2024:

Queridos amigos,
Seguramente que devemos ao Governador Geral António Arrobas e ao governador da Guiné Honório Pereira Barreto as vastas referências à Guiné neste período de 1855 e 1856, Arrobas foi à Guiné, confrontado com a situação comercial confirmou em Barreto a capacidade de ele ser juiz árbitro em diferentes contendas com comerciantes; a questão do sal também deu brado, o comerciante Nicolau Macedo criou exclusivo, houve sublevação da povoação de Geba, e ficamos a saber que o posto fiscal e o destacamento de S. Belchior foram retirados nesse ano de 1855; Nicolau Monteiro de Macedo também queria o exclusivo do comércio do Corubal, a herdeira de Caetano José Nozolini, D. Leopoldina Demay, reagiu, o exclusivo foi retirado. Isto significa que a atividade económica ganhava relevo. Bem interessante é o conjunto de instruções sobre o tratamento da cólera-morbo, as suas diferentes fases, tudo explicado à luz dos conhecimentos da época, onde não faltam esfregações, sinapismos, clisteres, chás, e se o doente não vai desta para melhor e reage, também há tratamento a ter em conta...

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1855 a 1856) (5)


Mário Beja Santos

Alertei ao leitor para o facto de que a Costa da Guiné ou Senegâmbia Portuguesa ou Possessões da Guiné estar a sair do limbo do Governo Geral de Cabo Verde, a estatura da figura de Honório Pereira Barreto e as suas constantes interpelações para a vila da Praia, por exemplo, implicaram informações que podem ser hoje muito úteis para um investigador quanto à presença portuguesa na Guiné na segunda metade do século XIX. É o caso de uma portaria sobre o imposto do sal que veio publicada num Boletim Official em junho de 1855, refere-se que em 26 de março de 1847 fora estabelecido o imposto de 10% sobre o sal de Balanta que se importava de Bissau, com o fim de aumentar os rendimentos da Guiné e pagar as despesas da guerra que então existia entre os povos de Geba e Fá, que haviam fechado o rio ao comércio português. O imposto, verificou-se mais tarde, rendeu pouco, e obrigou o Estado a despender todos os anos com o posto fiscal de S. Belchior uma boa soma de dinheiro para pagar pessoal, transportes e obras. Ou seja, o imposto trouxe uma despesa quase tripla da receita e reduziu à mingua o povo de Geba, como escreveu Honório Pereira Barreto e o Governado Geral presenciou na sua visita a Geba.

O texto da portaria é bastante interessante:
“Os habitantes de Geba, para quem este sal é um objeto de primeira necessidade, porque a troco dele se abastecem dos géneros alimentícios, descem o rio em canoas até S. Belchior, onde têm de fundear, e depois descem atá ao chão dos Balantas que ocupam a margem direita do rio, desde a ilha de Bissau até umas vinte milhas; ajustam o sal, e são depois obrigados a seguir até à Praça de Bissau, onde tiram o despacho pelo sal que se põe obter, e voltam a tomá-lo no chão dos Balantas, levando-o até o ponto de S. Belchior, onde o respetivo regulamento os obriga a descarregá-lo para ser verificado, reembarcando-o depois para ser levado para Geba, e dando-se as circunstâncias de que em vez de sete dias de viagem são obrigados a gastar quinze e mais para satisfazerem absurdas exigências, e que muita canoas se perdem por causa dos maus fundeadouros de S. Belchior e de Bissau…”

O Governador Geral, considerando que este imposto ofende os princípios económicos e é contrário ao art.º 145.º da Carta Constitucional, aboliu-o, adiantando que o posto fiscal de S. Belchior será imediatamente retirado, bem como o respetivo destacamento.

Neste mesmo Boletim Official vem outra Portaria, com o número 50 que nos parece digno da maior atenção. Refere concretamente que negociantes nacionais e estrangeiros da Guiné Portuguesa, aproveitando a visita que o Governador Geral ali fizera, a ele se queixaram que o comércio está em risco de acabar, por falta de crédito e falta de numerário, reclamaram providências que levassem à ruína comercial. Mais se adianta que há ilimitada confiança que os negociantes ingleses, belgas e franceses que têm ali casa comerciais, e vendem a crédito e por largos prazos, depositando no Governador Honório Pereira Barreto tal confiança, a ponto de os escolherem para único juiz em todas as questões que possam resultar das suas negociações. Atendendo a todos estes fatores, o Governador Geral António Maria Barreiros Arrobas decidiu um conjunto de medidas de justiça arbitral, o juiz ordinário será Honório Pereira Barreto, e define-se o que resulta das decisões proferidas pelos árbitros ou pelo governador e outras medidas de caráter judicial.

Pois bem, no mesmo Boletim surge a informação de que Nicolau Macedo, negociante da Praça de Bissau propôs ao Governo Geral dois privilégios exclusivos de comércio e navegação na Guiné, isto em abril de 1852. Foram efetivamente criados os referidos privilégios, um de navegação e comércio e do rio Corubal, e outro da venda do sal que fosse importado em Bissau de navios nacionais. O dito Nicolau Macedo não assinou o contrato, propondo novas condições e fazendo exigências extraordinárias, tendo cometido a imprudência de vir a assinar um contrato que não estava em circunstâncias de sustentar. Seguiu-se depois a revolta do povo de Geba contra o exclusivo do comércio de sal, o contrato ficou sem efeito, só em vigor o da navegação e do comércio do Corubal. O régulo Mamadu Sanhá, senhor do Corubal, fez cessão daquele ponto a Caetano José Nozolini, que cedeu à Coroa Portuguesa a margem esquerda do rio, reservando para si e seus herdeiros a margem direita. Este negociante conservou sempre ali casas, lavoura e negócio, exclusivo da navegação e comércio daquele rio, administrava D. Leopoldina Demay, filha de Caetano José Nozolini, todos os bens que ali tinha possuído, como sua herdeira.

Além desta feitoria havia no Corubal outra de João Monteiro de Macedo, e um estabelecimento de João Canuto. D. Leopoldina, não aceitou o exclusivo dado a Nicolau Macedo, alegando violação da Carta Constitucional. Nicolau Macedo não se achava em condições de poder fazer face às despesas necessárias para montar um sistema de administração e fiscalização dos dois exclusivos solicitados. A assinatura de Nicolau Macedo no contrato mereceu opinião contrária do fiscal e Governador da Guiné, o contrato fez-se sem garantias para a Fazenda Pública.

A portaria anuncia todo este embrolho e Governador Geral rescindiu o contrato de privilégios no rio Corubal a Nicolau Monteiro Macedo.

Em 1856, o Boletim Official n.º 198, de 16 de outubro, traz instruções sobre o tratamento da cólera-morbo, publicada pela Junta de Saúde Pública da Província de Cabo Verde. Refere os sintomas (grande abatimento, peso de cabeça, opressão de peito, repugnância para a comida, amargores de boca, diarreia…). Propõe-se tratamento com banho aos pés muito quente com água e mostarda ou deitar o doente numa cama aquecida previamente, cobrindo-o com bons cobertores e também fricções ou esfregações secas ao longo da espinha e membros. Mas há mais, o doente deve beber chá de macela ou erva-cidreira, tomar uma colher de remédio com chá de tília, éter sulfúrico, álcool e xarope de diacódio; havendo fortes dores no ventre, o tratamento é outro; podem-se aplicar cataplasmas de linhaça ou clisteres com água, goma diluída e láudano.

A cólera-morbo começa quando a diarreia se apresenta como água de arroz mais ou menos espessa, mas também se manifesta por fraqueza, cãibras, suspensão de urina, sede, etc. Os tratamentos recomendados já anteriormente podem ser acompanhados de sinapismos, administração pela boca de remédios como óleo essencial de hortelã-pimenta, entre outros.

Havendo agravamento, isto é, quando a cólera avança para um termo fatal, quando desaparece o pulso do doente, ele tem os olhos encovados, quando o doente parece então um cadáver falante, as instruções passam por sinapismos, vários tipos de fricções, ponche, essência de hortelã e pimenta. Havendo reação positiva, ela manifesta-se por passar o frio, a diarreia e as cãibras, mas se houver delírio, dão-se instruções em bebidas, em ventosas, panos molhados em água e vinagre, clisteres de cozimento de linhaça e dieta.

Deixa-se um último apontamento retirado do Boletim Official de 6 de agosto de 1855:
“A Guiné Portuguesa, tão importante nas suas riquezas e comércio, que sob um regime regular pode por si só tornar-se uma das mais importantes Províncias Ultramarinas, apenas hoje figura como um, pouco seguro, entreposto de comércio, onde reina a mais completa desorganização, faltando todas as garantias sociais de uma administração regular".

Imagem que terá sido tirada cerca de 1925
Edição em língua portuguesa da editora norte-americana Legare Street Press, 2023
Postal ilustrado antigo do rio Geba, não se conhece editora
Imagem do que resta da antiga Ponte Marechal Carmona no rio Corubal

(continua)
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Notas do editor:

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Último post da série de 27 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25570: Notas de leitura (1695): "Quando os Cravos Vermelhos Cruzaram o Geba", por Tony Tcheka (nome literário de António Soares Lopes Júnior); Editorial Novembro, 2022 (2) (Mário Beja Santos)